“E quer pelo posicionamento que assumia nos cartoons, quer pelo facto de ser representada com cabelo louro e no feminino, quer ainda por apresentar sempre num dos braços a sigla “CMR”, interpretada como significando “Câmara Municipal da Rondónia”, essa figura de porca retratava a vereadora E, pessoa da confiança do Presidente da Câmara e que está habitualmente ao seu lado em todos os actos oficiais ou públicos...a caracterização da figura da porca (quando colocada com meias de renda, cintos de ligas e saltos altos) também tem uma conotação pejorativa relativamente à assistente, na medida em que, a linguagem visual é, muitas vezes, densificada pela utilização de símbolos sociais e culturais, facilmente perceptíveis para qualquer intérprete. E para qualquer intérprete médio que viva numa sociedade ocidental e tradicionalmente católica (como é o caso da sociedade portuguesa), a imagem de uma figura feminina com o peito desnudado, meias de renda pretas, cinto de ligas e saltos altos tem claramente um sentido sexual, correspondendo tal imagem a uma mulher de má porte”
Foi a interpretação que acima se reproduz dos juízes do Tribunal da Relação de Évora sobre um cartoon que visava uma vereadora da Câmara Municipal de Elvas e o presidente daquela autarquia que acabam de levar o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos a condenar Portugal, como hoje se pode ler na edição impressa do jornal Público https://www.publico.pt/2022/06/07/sociedade/noticia/portugal-violou-liberdade-expressao-caso-autarcas-retratados-burros-porcos-2009270/amp
Sobre o tratamento que deve ser dado aos políticos deste país, estiveram muito melhor os juízes do Tribunal da Relação, que a propósito de um outro caso, também envolvendo políticos escreveram que “Qualquer cidadão que exerça um cargo público está sujeito à crítica, muitas vezes contundente e quiçá injusta, quer dos seus pares quer de qualquer cidadão” https://pacheco-torgal.blogspot.com/2019/11/o-professor-que-esteve-para-ser-preso-e.html
O irónico é que a errada decisão dos juízes do Tribunal da Relação de Évora (que assim mostraram não perceber quão larga deve ser a liberdade de expressão num país europeu no século XXI) tenha aberto a porta a que todos os cartoonistas deste país possam doravante (respaldados pela decisão do TEDH) passar a retratar políticos como burros e politicas como porcas (e vice-versa), sem risco de serem condenados pelo crime de difamação.
Mas se infelizmente não é possível obrigar os juízes do Tribunal da Relação de Évora a pagarem do seu bolso a indemnização, que agora Portugal foi condenado a pagar será que não é ao menos possível que o Conselho Superior da Magistratura os obrigue a voltarem aos bancos da universidade, para fazerem uma formação rápida sobre a jurisprudência do TEDH, o mesmo valendo para todos os juízes por conta dos quais Portugal já foi condenado no mesmo TEDH ?
PS – O artigo do jornal Público informa ainda que a tal vereadora (que no cartoon aparecia caricaturada como porca loura) “usou dinheiros municipais para custear o advogado de renome a quem recorreu, João Nabais”. E sendo publico e notório que o referido advogado se costuma fazer pagar com honorários de várias centenas de euros por hora (como também o fazem outros conhecidos advogados) será que o Ministério Público não deveria avançar com um acção para que ela seja obrigada a devolver essa elevada quantia, ou será que neste país o regabofe já é de tal ordem que os autarcas até já tem carta branca para esbanjar o dinheiro dos contribuintes a pagar honorários de luxo a advogados famosos?